A formulação de políticas públicas para a população em situação de rua só passou a fazer parte da agenda do governo no ano de 2000, até então o que se tinha eram políticas voltadas ao controle, nada direcionado para garantia dos direitos desta população.
O ato de extermínio que aconteceu em São Paulo, em agosto de 2004, chamado de “Massacre da Sé” ficou conhecido como um dos dias mais violentos envolvendo a população em situação de Rua. Pessoas que utilizavam o espaço da praça da Sé como moradia improvisada, foram brutalmente atacadas, culminando em sete mortos e oito feridos.
O mais agravante é que fatos como este não são isolados, as pessoas que vivem nas ruas são constantemente expostas a episódios violentos por parte do Estado. A política higienista, da chamada “ordem social”, retira as pessoas das ruas, sem proteção ou construção coletiva, na contramão do cuidado, desconsiderando sua cidadania, invisibilizando-os, com discurso que desumaniza as pessoas que experimentam a rua como moradia, por motivos alheios à escolha.
De acordo com o CFESS, 2011, “Viver nas ruas não é uma opção individual. Homens e mulheres são levados a essa situação por condições impostas pela sociedade de classes organizada para defender a mercadoria e o mercado e não a pessoa e a vida”.
Fatos como o citado acima fortaleceram movimentos sociais, instituições que trabalham com a pessoa em situação de rua, organizações da sociedade civil, agentes públicos, que vêm pressionando o poder público a elaborar e implantar políticas que garantam a proteção dos direitos humanos e visibilidade das pessoas que se encontram com o direito à moradia violado.
Expressões da questão social sustentam a situação de rua como a ausência de moradia, insegurança de renda, dificuldade de acesso ao mundo do trabalho, alimentação adequada, higiene e tantas outras que nos remetem a refletir sobre qual camada da sociedade é atingida por este fenômeno, a pobreza.
Para Crespo e Gurovitz 2002, a pobreza é definida como a falta do que é necessário para o bem-estar material, especialmente moradia e alimentos, ou seja, a pobreza é a falta de recursos múltiplos que levam à fome e privação física. Nesta direção resgatamos o artigo 6º da Constituição Federal que estabelece os direitos sociais por parte do Estado, dirimindo as diferenças sociais.
Há uma lacuna entre o reconhecimento do direito e sua plena implementação, haja vista o número crescente da população em situação de rua no país. Estar expresso na Constituição Federal não bastou para que os direitos sociais fossem efetivados, há um árduo caminho de controle social que precisa ser fortalecido para que a extrema pobreza seja superada, uma junção de todas as políticas públicas com olhar voltado à população despossuída.
O interesse coletivo precisa preceder ações de enfrentamento e cobrança estatal, pois as discriminações aporofóbicas estão cada dia mais fortalecidas na sociedade contemporânea; a aversão ao hipossuficiente que toma força sobejamente, responsabiliza a pessoa sobre a condição da pobreza vivenciada, desconsiderando a responsabilidade do estado em propor políticas que atendam a este fenômeno social complexo e multifacetado.
A publicação da Lei 14.821 de 16 de janeiro de 2024 apresenta um avanço nas políticas de proteção social para a pessoa em situação de rua, pois traz o início de ações voltadas para o protagonismo e emancipação desta comunidade.
Pensar e implementar uma política com participação democrática é enfrentar a realidade fática que só aumenta no país. Segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a população em situação de rua passa dos assustadores números de 281 mil pessoas até o final do ano de 2022 sob essa condição, uma crescente em relação ao próprio crescimento populacional.
Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do ano de 2011 até o ano de 2021 o crescimento da população brasileira foi de 11%, enquanto que o segmento da população em situação de rua, nos anos de 2012 até 2022 apresentou um aumento de 211%, ou seja, uma aumento da extrema pobreza.
Estes dados demonstram a urgência na elaboração de políticas públicas que suscitam diálogo e propostas de enfrentamento às desigualdades sociais que afetam sobretudo quem está na linha da pobreza.
Esta lei é um marco significativo, mas o controle social é a forma de efetivação.
Vamos ocupar os espaços para que toda a sociedade seja de fato livre de toda forma de opressão, privação e violência.
Luciane Dias
Assistente Social
Referências bibliográficas:
Crespo APA, Gurovitz E. A pobreza como um fenômeno multidimensional. RAE electron [Internet]. 2002Dec;1(2):1–2. Available from: https://doi.org/10.1590/S1676-5648200200020000
https://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2012_poprua_SITE.pdf
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Relatório econômico. Brasília: 2022.